domingo, 12 de fevereiro de 2012

"O bom é que nenhum dia é igual. Ontem, ao entrar pela porta do meu apartamento, saí de um dia péssimo. Resfriado, números, números, números, engarrafamento, roupa pra lavar, mãe ligando a cada quarto de hora, vida pra levar. Mas o pior foi uma música da Ana Carolina, esquecida no playlist, a tirar meu sono. Pedi com manha, tremendo o queixo, o mundo me obedeceu e parou pra que eu me jogasse no sofá. Om mani padme hum.

A sala escura, um filme ultrapassado na tevê que só me deixei distrair porque a pilha do controle remoto se aposentou por tempo de contribuição. Fechei os olhos e imaginei você de pé, ao lado do sofá, dizendo que não adianta pressionar forte os botões. Um pano no ombro pra limpar as mãos, perguntando com sobrancelhas de reprovação - "esse filme outra vez?" - vigiando na sua frigideira favorita aquele seus filés de sobrecoxa com ervas melhor do mundo.

Fechei meus olhos sorrindo pra não chorar. Gosto de imaginar você. Seu rosto azulado pela luz da tevê, o filme refletindo na lente dos seus óculos de armação elegante, minha melatonina despencando mansinho, um sonho gostoso se confundindo com o perfume de sálvia passeando fora da cozinha. Você se afastando bruscamente, como quem esqueceu de virar frangos."

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

"Eu ainda sou nós dois. Caminho pela rua como se tivesse trocado de cidade, com ínfimas chances de te encontrar, mesmo com todos meus fios de esperança plugados em você a 220 volts. Apesar de ter ido pra muito longe, nada supera a distância onde vai minha imaginação a respeito de você e eu. Desvio de pessoas, fruteiras, cachorros de rua, do que restou de mim mesmo.

Ando por aí, com pensamentos disléxicos lá em ti. Na minha cabeça, é sempre tempestade de brisa porque lá sempre está você. Fui daqui a Istambul, voltei até o inverno passado, viajei pra lua, qualquer lugar onde o vento me levar, pois algo me diz que é pra lá. A pé, de avião, de barco ou ultraleve, sempre me arrastando pelo chão.

Forço os olhos pra sua feição não desfigurar na minha memória, como já aconteceu com a única polaroide capaz de comprovar sua existência dentro do mesmo plano que fiz."

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

"Mesmo para os descrentes há a pergunta duvidosa: e depois da morte? Mesmo para os descrentes há o instante de desespero: que Deus me ajude. Neste mesmo instante estou pedindo que Deus me ajude. Estou precisando. Precisando mais do que a força humana. E estou precisando de minha própria força. Sou forte mas também destrutiva. Autodestrutiva. E quem é autodestrutivo também destrói os outros. Estou ferindo muita gente. E Deus tem que vir a mim, já que eu não tenho ido a Ele. Venha, Deus, venha. Mesmo que eu não mereça, venha. Ou talvez os que menos merecem precisem mais. Só uma coisa a favor de mim eu posso dizer: nunca feri de propósito. E também me dói quando percebo que feri. Mas tantos defeitos tenho. Sou inquieta, ciumenta, áspera, desesperançosa. Embora amor dentro de mim eu tenha. Só que não sei usar amor: às vezes parecem farpas. Se tanto amor dentro de mim recebi e continuo inquieta e infeliz, é porque preciso que Deus venha. Venha antes que seja tarde demais."